Luta

Numa dessas idas e vindas do metrô me deparei com uma senhora que permanecia sentada, suava muito e olhava para todos os lados a todo instante.Ela me intrigou, certamente.Olhei-a e abri um pequeno sorriso, que logo foi correspondido.Uns segundos depois, ela me disse breviamente a seguinte frase ''Estou muito cansada.'' Permaneci encarando-a, pensando no que dizer ou se eu deveria continuar calada.Fiquei me questionando se eu deveria emitir um ''Por quê?'' ou um ''Eu também.'' Visivelmente a feição dela apresentava cansaço.Apresentava dor e sem dúvida alguma, o meu cansaço não poderia ser comparado ao dela.O meu cansaço nem ao menos deveria ser mencionado.Seria um nada perto de todo aquele sofrimento.Finalmente eu tive alguma reação e perguntei o porquê de todo aquela sensação.Foi aí que ela me contou muita coisa sobre a vida dela.Não soube de nomes, não soube de localidade.Mas soube sobre caráter, amor e entrega.Valores maiores do que qualquer coisa desse mundo.

Num desespero, numa imensa vontade de ser ouvida, ela foi me contando passo a passo do seu cotidiano.A verdade é que ela, ainda adolescente, ao descobrir que sua mãe está doente, fez questão de parar com sua vida e cuidar dela.Não estou dizendo de cuidados pequenos, de mínimas coisas.Estou dizendo sobre cuidados intensos, de entrega intensa.E foi isso que ela fez e até hoje faz.Desistiu de trabalhar pela mãe, desistiu de amar homem ou apenas ter um desejo carnal por alguém por causa dela.''Não.Eu sempre precisei cuidar dela.Casar não dava e jamais, jamais vai dar', ela repitia.E nos olhos dela eu conseguia captar tudo que ela sentia.A voz dela se fazia triste, a aparência se fazia triste.Aquela mulher me passava algo que eu jamais vi em outra pessoa.E então ela continuava me contando sobre seus problemas e em repetidas vezes me dizia que era sozinha, uma pessoa sozinha cuidando de outra pessoa sozinha.Seu pai faleceu cedo, deixara uma aposentaria que mantia sua mãe e consequentemente, ela.De repente, ela parou de falar e passou as mãos nos olhos.Respirou fundo e fixou o olhar no chão.A sensação que eu tive foi de pena.Eu senti pena por aquela mulher.Senti algo que não costumo e não gosto de sentir, porque acredito que não há nenhum ser (humano) neste mundo que possa ser um coitado. Nenhum.Assim como ela, fixei meu olhar no chão e passei a pensar.Por que ter pena de alguém que fez sua escolha e a mantém até hoje? Talvez ela não fosse um exemplo a ser seguido? Ela me olhou novamente e disse que o problema maior neste momento, não era a saúde de sua mãe, mas sim o primo que adoeceu-se jovem e por sua tia ser muito idosa, ela quem deveria cuidar dele. Outra pessoa. Ela se entregara à outra pessoa, sem pensar nela mesma. Sem pensar que ela poderia servir à si mesma também, mas que se esqueceu de seus desejos, medos e afetos e dedicou a vida inteira à sua mãe, o seu grande amor.

Pude então chegar a conclusão que pena eu jamais poderia sentir por aquela mulher.Afinal, foi ela que escolheu ser serva de sua mãe até o fim de seus dias, viver naquele mundo, que mesmo triste e carente, era o seu mundo. Se por conformismo ou não, eu sei que existem muitas pessoas assim neste mundo. Pessoas que se permitem se esquecer delas mesmas e viver para outras. Existem pessoas que nasceram para isto.Fiquei alguns segundos pensando no que eu poderia dizer à ela para me despedir.Me levantei e disse ''Nunca é tarde para achar alguém para pensar em você e cuidar de você também.Nunca é.Fiquei com Deus''. Ela concordou comigo, sorrindo e se despediu com um ''Fique com Deus, garota''. A partir daquele momento, eu desejei que algo ou alguém a tirasse daquela vida que mesmo digna, a fazia infeliz. E por acreditar no amor, esteja ele em qualquer forma, eu continuarei acreditando que existirá alguém que conseguirá olhar por ela e amá-la.Alguém que poderá compartilhar daquela tristeza e a faça seguir naquela luta sem fim. Uma luta que não é somente daquela mulher, mas de tantas outras pessoas com aquele destino. Destino que o cara lá de cima escolheu ou destino que ela mesma optou?

Um beijo à todos aqueles que viram em primeira-mão!
Amo vocês!